domingo, 13 de julho de 2014

j'suis fatigué.

não importa o quanto eu questione: as coisas ainda são as mesmas. eu me levanto, tomo um café, mas a água já esfriou. é dezembro, e, aqui dentro, faz mais frio do que na rua. o vento é forte, quase carrega a árvore fincada pelas raízes no parco espaço de terra entre a calçada e o meio-fio. as ruas desertas, poucas pessoas em gorros e luvas e sobretudos, corajosos heróis que enfrentam a natureza, o estado permanente das coisas, que vestem armaduras e buscam suas respostas, seus caminhos, suas portas de casa, novas casas; novas vidas e novos rumos. eu persevero na estância, no veemente instante, insisto na persistência de assim ser. ser e estar, duas faces da mesma moeda, opostas e complementares. uma faca de gelo, cravada no meio da sala: não derrete. o aquecedor não funciona, aqui a eletricidade intensa não chega – hermético demais, espaço. distante. imaterial.
eu cuspo o café, a xícara envolta nas duas mãos em concha. já sinto o gosto de algo que não é ferro, mas que se doou ao espaço da mesma forma que, como fruta cítrica no ar, oxigênio que entranha, corrói, corrompe. estamos susceptíveis – eu, o café, o cachorro, à essa atmosfera que pressiona mesmo debaixo de um teto de cerâmica. são as paredes, as proteções; inúteis. ela nos rouba os elétrons, a energia, a vontade de. mexer-se se torna difícil. limpar os cacos da xícara quebrada, num deslize, um desmaio. o mesmo sabor amargo, oxidado. faz-me sentir pena do cachorro, que não é meu, é da vizinha. ele também vive nesse instante, tenta, é obrigado. não temos escolha. ninguém perguntou sim ou não. eu diria sim, todos diríamos sim. não há como dizer não. não não existe, que é o mesmo que dizer “existe”. e muita coisa se resume a isso, à existência, à duração eterna, às perguntas que não são feitas, mas pensadas, infinitas, irresolvíveis, irrespondidas, irrepensáveis.
eu resolvo tomar uma ducha, sentir as gotas quentes tamborilarem as costas, sentir a dormência da pele, a corrosão do que é quente, a violência do calor. mas a pele dorme, avermelha, cria uma crosta de cobre, sente a estática presente na atmosfera e transfere, dos fios expostos, dos talheres espalhados pela casa, pequenos elétrons, potentes em universos pequenos. eu sei que deveria fechar a porta, mas é inevitável não evitar o imutável destino das ações costumeiras. eu não sinto frio, no final das contas. não é a pele, não é o de dentro. é mais fundo, é mais vazio. passa do meio-dia. não adianta. eu tenho uma armadura agora, que desfaço todos os dias após o banho, mas não adianta. por mais que eu a desfaça, é preciso formá-la. não, não é máscara. imbécile, miseráble, déplorable. eu digo que não. essa armadura que é casca, que não resiste à natureza, que desmancha ao toque. efêmera. a rosa descascada.
saio do banheiro, o café ainda esfria. o calor que se dissipa nesse invólucro frio, caramelo em ponto de fio, letras em negrito e todos aqueles livros amontoados no canto. precisaria de uma estante, mas não. a pilha se transforma em outra pilha depois que passa pelas minhas mãos, então não. eu poderia me desfazer deles, mas não. eles são parte, como móveis, espaço preenchido, tijolos dessa fundação. resolvo fazer um chá e não ler. não tem televisão – tenho xícaras. preciso comprar laranjas, mas tenho medo de que mofem antes do tempo. o tempo é mais rápido do que eu, isso é verdade. o tempo e a natureza imutável das coisas.
então eu penso. tudo sempre foi o mesmo, quatro tempos. água quente, morna, água gelada, fria. um dedo não impede a passagem de elétrons: ele conduz, fio da navalha. e não é gota: é continuidade. há gente que pensa que dessa vez vai. mas não há chance de crescer. os campos estarão sempre desertos nesses meses e não adianta muito correr por aí.
escovo os dentes. é julho em dezembro, inverno em verão. respiramos e estamos todos bem, assim mesmo. como sempre. sendo oxidados e oxidando.

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