Tem menos impacto no meu corpo quando eu me deito e fico só a observar o sol ir embora. Intuição é uma coisa que não falha mesmo. Os copos de água espalhados pelo chão, os pingos caindo do teto, o cheiro de sangue fresco e os sons não me deixavam enganar minha mente e olhos: era aquilo mesmo que eu estava prestes a presenciar. Essas coisas a gente evita ao máximo, mas sempre acontecem. Comigo, com todos. Às vezes demora, mas não falha. Todos terão um dia na memória de gotas que temos por dentro. Para tudo falta tempo, mas tudo vem com a calma que o vento morno proporciona na jugular da gente.
Depois eu fiquei pensando se eu tivesse feito de mais, ou de menos, como que seria tudo isso, se tudo isso aconteceria, se tudo ocorreria da mesma forma e na mesma velocidade. Mas acho que não, que não vou saber nunca, pois só se vivenciam as coisas mesmas uma vez e pronto, ponto passado a limpo na vida de quem não quisera ver e viu sem querer. As coisas são assim mesmo: o mundo, as pessoas. E tudo tem sua linha limite, tão tênue quanto a linha do raio do sol que vem cegar meu olho esquerdo, o que vejo menos e que esforço mais. Tudo faz tempo e faz falta, como se, quando a gente fosse menino, já tivesse previsto que iria viver juntos para sempre, que nem em conto de fadas. Mentira, depois a gente acaba descobrindo que é tudo mentira, que o mundo é injusto e que filhos não se fazem muito por amor, mas por sexo.
É tão desoladora a cena que a gente passa a ficar pessimista e só vê o lado ruim das coisas, das cenas de filmes que passam no televisor e a gente nem não assiste. Seria mais fácil pegar uma mão e tampar a vista, fazer a visão ficar turva ou negra mesmo, no escuro mais lindo que deveria ser a nossa verdade. Seria maravilhoso, não, se tudo fosse assim? Todos nós deveríamos pensar dessa forma: seria mais sereno viver. Mas as coisas não são sempre elas mesmas. Existem variações, a diversidade do dicionário e de tudo o mais que possa vir de outra galáxia, de outra mente, outro mambo.
Será que eu deveria ter visto isso mesmo?, chego a me perguntar de outros tempos. A paixão é tão desoladora que descontrola nosso corpo. O amor, que chega mais devagar, vai sendo construído, o que, de fato, faz com que a queda seja bem mais dolorosa. Quem me dera se tudo fosse colagem de papel que nem no Japão... Queria poder viver num filme em tons de azul, feito água em ebulição dentro da gente. Meus queridos filhos estariam muito mais calmos em certas datas e, talvez, eu nem tivesse de me preocupar com dinheiro. Eu nem teria de me preocupar com coisas como pensão, separação, divórcio, todas essas coisas jurídicas às quais temos de nos submeter quando somos traídos pela pessoa que pensávamos também nos amar profundamente. Coisa de paixão não serve muito como desculpa nessas horas, porque a fidelidade é o que mais mata o ser humano. Seria tão mais fácil se tudo fosse mais livre, sem amarras, sem roupas, sem papéis, sem cartórios e sem anéis de ouro ou prata ou cobre ou bronze ou minério que for. A gente mapearia o corpo com pintas, com pingos de água e tinta e tudo faria mais sentido do que fazia a três anos atrás naquele quarto, naquela cama, naqueles lençóis e naqueles olhos que juraram amar para sempre. E amor não é uma coisa que se jura: é uma coisa que se tem, cru ou cozido, tentando permanecer e cultivar. É que nem planta, mesmo.
Se eu pudesse me afundar numa banheira de sete metros seria bem mais fácil, tudo bem mais fácil. Eu teria luz nas sombras que a água faz e tudo faria mais sentido, mais azul e mais ebulicionista eu seria. Eu borbulharia por dentro, seria mais feliz. Mais feliz eu seria se eu não tivesse te conhecido? Acho que não. Tudo faz parte da vida, a vida é um processo que se pensa e que se faz às calmas e aos poucos, botando pedrinha por pedrinha nesse caminho de amarelinha. A gente tem que ver de fora e pensar que tudo vai ser feito aos poucos, para poder, depois, ir embora sem deixar mágoa, nem trégua nem água, que a gente precisa disso tudo pra enxergar a luz que sempre vem lá do fundo. E ela vem logo, que eu já vou indo, pensando nos meus filhos, queridos, que passarão e passarinho pelo tudo que eu vi de pertinho. Adeus não bastaria, mas talvez um abraço e uma despedida de gotas, tudo para marcar mais um caminho na vida minha e dos outros.
"E amor não é uma coisa que se jura: é uma coisa que se tem, cru ou cozido, tentando permanecer e cultivar. É que nem planta, mesmo."
ResponderExcluirfato.