eu não sei por quanto tempo mais as pessoas esperam que eu finja existir algo que não. enquanto engulo um monte de comida, ainda esperam que eu mastigue tudo, engolindo com água todo aquele pré-quimo que se instala dentro de mim e que sai, invariavelmente. como certas ondas instáveis que balançam de lá para cá, sem transportar nenhuma matéria do seu centro até sua margem: é exatamente assim que eu me sinto nesse caso. o caos dos meus olhos me faz pressentir que algo virá de longe, do longe dentro de mim, da força da minha mão, e não de um ato pensado e premeditado. torno-me um garoto de instintos a partir do momento em que não mais servir a força intelectual daqueles poucos que ainda conseguem pensar num mundo de coca-cola com gosto de plástico-bolha. a força intelectual fez do bastante que eu tinha o muito pouco que eu viria a ter. a transmutação das palavras e a energia desgastada enviada para o universo terão, em algum momento, um fim inativado por ninguém menos do que eu. porei fim a um fato que, por enquanto, desconheço. e a pior parcela da culpa é que não posso desistir desse meu sentimento, já que ele é autoral: ao menos um, ao menos um sentimento que me é meu, próprio da minha natureza e do meu esforço, do meu pensamento. como quando a densidade dos objetos da sala de jantar me arrastou junto com seu peso para o centro de um buraco que se abriu no meio dela mesma. episódios terríveis - digo, temíveis - do caos interior - ou interurbano - causados por nada mais do que o que eu já nem sei, o que, na verdade, eu nunca soube e que ninguém nunca ousou saber. só procuram mesmo é despolimerizar o gosto da coca-cola: tudo o que importa é a coca-cola - babe cola - que desoxigeniza nossa massa cinzenta. as pessoas perdem a memória com toda essa água suja de açúcar. deveríamos fundar a sociedade secreta do café sem açúcar e, talvez, tudo ficasse melhor por aqui: os corações tranqüilos a balançar com a brisa do oceano, cada qual a pensar no cada tudo. mas eu preciso deixar de imaginar e tornar verdadeira para mim uma mentira que eu criaria só para me fazer feliz. e irreal. um chute na bunda talvez sirva para aqueles que, como eu, são idealizadores de um mundo talvez não perfeito, porque essa palavra é tão torta como a porta que eu abro todos os dias ao entrar na sala de aula, mas de um mundo bonito, já que beleza é bastante relativa e cada um poderia enxergar através da sua óptica, da sua lente de descontato humano. eu não posso, não devo começar a criar verdades inverdadeiras para suprimir toda essa porcaria que me fazem comer, que me causa ânsia e eu nem mesmo posso vomitar, pois meu estômago não me pertence mais. eu não sou mais eu: eu sou uma combinação de números, junto com outras combinações de números que, juntas as massas, forma-se um conglomerado de combinações que acabam dando em mais números: estatísticas.
e eu não me canso de repetir para mim mesmo que tudo isso o que eu falei foi só um pedaço de fala inventado pela minha mente, não pela minha mão, para tentar entender, para ter força e convicção de que eu, um dia, terei o meu instinto selvagem recuperado, devolvido direto na fonte, e puro, mais límpido do que seria se eu o tivesse encontrado perdido pelo cerrado de mim. só na repetição eu terei certeza do que não sou e do que serei.
manoel de barros
repetir é um dom do estilo!
ResponderExcluirlucas, vc é o meu caio fernando abreu! :)
ResponderExcluira maneira que você escreve pode ser chamada de perfeita, é impecável. é tão interessante que as vezes, mesmo que por ventura eu não concorde com algo que você escreveu, eu respeito como se fosse de um grande escritor. é o tipo de escrita que paramos e lemos de novo, não porque é necessário apenas, mas porque sabemos que não é qualquer coisa que está escrita ali: são suas palavras, elas são muito suas.
ResponderExcluir*você é um grande escritor
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