levando, levando, nunca saio do lugar. o que me traz da nascente até a foz não é o fluxo da minha matéria, mas a própria essência do movimento ondulatório do meu por-vir. digo, o que eu não disse, porque não havia como dizê-lo, tento agora dizer nas poucas palavras que restam por tempo. do tudo que eu tenho como sobra, dou a maior parte aos que mais querem e fico com o pouco necessário para que eu não morra: é assim. garanto que não perco as forças com o extremamente necessário que faz com que circule sangue oxigenado em minhas artérias, com que eu tenha pulso. e se meu pescoço dói, é por reflexo de coisa que a gente não nomeia porque não faz parte da nossa realidade - nem tudo tem nome, enfim.
basta farfalhar um pilha de folhas e o vento da manhã já sopra sobre a gente, furioso, acariciando nossos lábios com um bom-dia trazido nas pequenas partículas de pólen que se fecundam em nenhum outro lugar além do nosso coração. minha boca se torna o útero das flores, minha garganta será o cordão umbilical de um vida poética que surge do vento, trazido pela brisa do acaso e eu, como mero meio, transformo-me em mãe e pai de um bicho que nem tem forma física no nosso mundo de três dimensões: poesia não é coisa que se vê, mas que se sente, presente e harmonioso como o sorriso de um campo de dentes-de-leão.
eu, eu mesmo, nunca saí do lugar. o mundo que girou um pouquinho para a esquerda e me levou junto. carreguei minhas malas vazias para o espaço que me foi dado sem mexer um dedo ou dar um suspiro profundo. se isso é o que chamam de sentimento, eu me sinto feliz por ter feito parte desse mundo, por ter tido esse sinestesia nos meus poros e, no golfar do anoitecer, ter visto a lua beijar o céu na esperança vã de que o sol sentisse o seu perfume e provasse da sua saliva. se a boca dos bichos daqui de baixo é molhada e entupida de outros bichos menores, a saliva da lua é seca e suave ao mesmo tempo, correndo como um rio fino que hidrata apenas aquelas pequenas plantas, que não crescem muito, é verdade, mas que muito sonham com o mundo e devaneiam sobre as belezas alheias. sem os espelhos d'água, o olho de cada grão de pólen que sai de sua mãe chega num pai recíproco que fertiliza e amamenta carinhosamente o conselho da manhã.
se a noite é bonita, o amanhacer ganha seu encanto pela transição de cores e pelo degradê fulminante que cria nas minhas pálpebras. sou um amante do mundo natural e, como tal, prometo vegetar antes de morrer nesse mundo, digo, passer-me-ei à planta antes de tirar os pés do chão. até lá, fico a apreciar o cheiro da saliva matinal e as pétalas de dente-de-leão que vem me anoitecer em sono leve e profundo.
Ai, que coisa deliciosa, Lucash.
ResponderExcluirUm tiquinho de saudade, viu?