domingo, 2 de outubro de 2011

submarino.

uma gota de água cai numa tecla do piano; nem a mais aguda, nem a mais grave. talvez seja isso mesmo, um meio termo que não é aqui e nem é lá. e eu acho estranho, porque se, de todos os tons, os que mais me apetecem na vida são os azulados, não deveria minha lágrima cair mais endireitada? digo, nos tons graves. é estranho porque eu sempre me vi dentro de um submarino, uma casa que para mim não é provisória, mas uma divisória daquilo que me prende ao mundo real e me absorve àquele em que quero estar. é como se eu desejasse profundamente poder respirar debaixo d'água, possuir brânquias e ser aquilo que acredito verdadeiramente ser. não, não um peixe. mas um ser abissal.


mas, se esse sou eu para mim, por que, por que eu vejo aqui em cima tanta coisa forçada e formada e sinto que minha suposta - por mais que eu ache essa a palavra errada - dor não é uma dor verdadeira? tristeza, melancolia até batem em minha porta, mas realmente adentram minha casa, meu corpo? eu realmente não sei. pode ser antagonismo meu ao clima, pode ser saudade da terra natal paulista, pode ser tudo, menos algo que eu entendo claramente. sinto como se fossem pseudópodos de uma sustentação minha, uma biologia celular que se transforma em metáfora para eu poder, no mínimo, tentar entender o que sou eu de verdade.
isso é falso? isso é real? ou é sonho-verdade? vejo a imagem de uma santa chorando lágrimas de sangue e não sei muito bem o que pensar, o que dizer. paraliso da cabeça aos pés e olho-mas-não-olho nos olhos da imagem. é uma imagem, só. mas é tão forte, é tão... significativa que chega ao ponto de me fazer chorar sem ser por conta da cebola que carrego no bolso. é querer também, finalmente, a maçã lasciva do tempo.
bato a cabeça no espelho e o que vejo escorrer não é meu sangue. não, também não é o sangue da santa. não é sangue, não é nada. o que escorre é o que existe dentro de mim, um líquido viscoso e preto que não suja nem limpa. não é líquido, não é gosma. não verdade, não é metáfora. não é coisa que se faça. são dois minutos com os olhos fixos nos cacos de vidro espelhado, é o tempo inteiro do mundo. ali, a gota d'água. ali, cabelo ruivo. embaixo da mesa, minhas pernas imóveis. em cima, a não-palavra. em cada lado, uma verdade e uma mentira, contrapondo-se e contrabalanceando uma mentira imposta e uma verdade aceita de dicotomia, de maniqueísmo babaca de família cristã, de batismo sem consenso, de catequese e mergulho numa piscina turva de poeira estelar. não somos isso, não somos! eu não sou um corpo perto dum copo de água, eu não sou uma mão que segura outra, não sou um ser humano com sentimentos!
eu tento entender o compasso da desilusão, da minha persona ingrata, do macaco que flamenga, das bananas que flambam ao som de carmen miranda e da lua que, cada vez mais, esbranquiça-se e distancia-se da minha janela. tento entender essa minha essência boêmia que não bebe nem fuma. se eu pego num copo de vidro, não é para enchê-lo de desilusão ou bebida barata senão água ou gelo submerso. sinto-me uma farsa, um estereótipo que não se afirma no clichê, um bebum de mentirinha que, ao forjar sua fama, forja a si mesmo a sua verdadeira face. eu não sou real, eu não sou daqui, eu não ouço música triste com um cigarro numa mão e duas facas na manga.
às vezes duvido mesmo se estou vivo. sinto, sei que sinto, mas vida se tira disso? não sei direito, mas gostaria de, um dia, poder sair mais cedo da aula a tempo de descer do ônibus no exato momento do pôr-do-sol e mergulhar na luz que se vai e ir embora junto com ela.

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