terça-feira, 31 de julho de 2012

saudade, em itálico.

eu sinto saudade de um tempo que nunca existiu, um passado que não me pertence. existe palavra para isso ou eu tenho de ficar com a poesia da palavra saudade, a negação de uma beleza? às vezes me passa pela cabeça que, se eu não existisse mais, tudo isso iria simplesmente evaporar. porque é mais fácil transformar matéria em fumaça do que pensamentos. esses tais pensamentos que se intensificam, que se concretizam na maior impossível abstração. como se eu pudesse abraçá-los e me segurar firme para poder tirar os pés do chão, nem que fosse um pouquinho. desfincar. essas tais raízes que todos falam, essas raízes que me não fazem tronco, que me não fazem árvore, que me apodrecem pela sua inexistência. um eu querer sumir por um tempo, um tempo que para sempre. uma dor de garganta que sufoca pela quantidade de coisa que eu não gritei, pela quantidade de coisa que eu continuo a acumular por não gritar e o choro escondido e contínuo que se alastra pelo meu rosto e pelo chão do meu quarto, que se intensifica a cada dia, que me faz querer não amanhecer mais e chegar ao ponto de me chamar estúpido, essa coisa que eu sempre me vangloriei por não achar, por não querer ser. porque o primeiro passo é o desprezo, o desamor a cada lado. um garfo, uma faca, um estilete guardado no bolso. tudo isso só para que eu perceba que nada é tão simples como cortar um pedaço de carne. como enfiar as mãos bem fundo no bolso e não encontrar nada. como mergulhar num buraco onde nada se vê. é um não ser visto, é um chá de sumiço. e eu sei que é fácil sumir, mas é possível escapar de si mesmo? o mundo todo fecha-te os olhos num simples log out. mas e eu? meu ego, meu superego, meu id. aquilo que eu sou, aquilo que eu fui e o que finjo que quero ser. o que me perguntam, o que eu tenho de responder, fingir ser normal, estar apto, continuar a caminhada, acordar para ver o nascer do sol, não chorar com a chuva e pensar que ainda faltam dez minutos, nove, oito, sete... são seis vidas? não, a humanidade não permite. um número só é o limite e é o que falta para completar um ciclo que não é circular, nem possui esquinas. é uma linha que deságüa num abismo sem fundo. e não adianta mandar construir uma janela naquele canto emparedado. não adianta forçar um sorriso para agradar quem finge rodopiar. porque ao menos se eu pudesse correr escada abaixo, circular pelas torres de londres, tirar fotografias imaginárias dos castelos europeus dos meus sonhos... mas nada disso é tangível. não porque eu não possa tomar um avião e sobrevoar o oceano que me separa do mundo, mas porque não existe avião que pouse ou parta do destino onde eu me encontro. aqui é tudo muito escuro. e eu deito todas as noites, depois de todo o sol da manhã, do chá imaginário das cinco horas, do café que acabou, da cafeína que eu não sei se vai me fazer mal, eu me estiro na areia e abro bem os olhos para poder enxergar no escuro aquilo que eu não consigo ver iluminado. eu, sempre eu a navegar sozinho. sem forças, sem rezas. um pedaço de papel, outro de pão: assim caminha a humildade daqueles que poderiam dizer muito, mas que, de tanto sufocar, inventam palavras para preencher um espaço em branco e postergar um sentimento de tristeza que amarga a boca, que aperta o que há no peito, que me faz sentir saudade de um tempo onde eu não sentia nada disso. um tempo que nunca existiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário