quinta-feira, 5 de julho de 2012

hoje é dia. hoje é dia de pôr em palavra tudo o que eu demorei por achar que não deveria dar atenção, mas que, por essa mesma demora, denota a própria preocupação. um leve peso-pena se sobrepõe entre aqui onde estou e onde se situa o banco quadrado e verde onde você se senta, quase a minha poltrona. a minha intenção não era te fazer sentar e ler em voz alta, na sua voz, aquilo que eu digo. porque eu sei como você planeja simular a minha voz, a minha entonação e a minha intenção. e é exatamente isso. porque eu posso querer te fazer biscoitos, um caderno artesanal, uma longa carte e pôr tudo numa caixa de sapato pintada de vermelho e verde, como se fosse um grande presente de natal. e isso é demonstrar a grande importância que eu quero lhe falar que eu não vou mais. não mais não porque não deve ser recíproco, mas pra ajudar seu analista. é como ficar pedindo desculpa sempre, como eu sempre faço, como eu sempre sento no banco enquanto você lê suas palavras em voz alta, na entonação e intenção que você quer. e quando eu falo, deve ser por papel. um papel azul, sem nenhuma marca d'água, sem nenhum grafismo extremo ou capricho de borra de café. sempre azul e límpido, um céu de salvador no mais vermelho verão. é como se esse banco fosse uma poltrona de verdade. mas não a minha. não quero dizer algemas, mas é como um ovo onde tudo está claro menos o meio. nenhum de nós é carioca, mas eu sou paulista de uma avenida em particular e, mesmo que isso não justifique meu horóscopo do dia, eu te digo, com a minha voz gritante enfim, que eu não vou estar. porque eu não posso ficar dependendo dos meus períodos de choque entre marte e mercúrio para não poder dizer o que eu preciso. porque não é preciso, não é correto, não é fácil nem delicioso. não tem porquê, mas eu tenho. porque, para começar pelo mesmo ponto de partida, eu não, não acho uma pena. acho que tudo foi friamente calculado porque não é assim que as coisas são de verdade, calorosas e sem rancor. ninguém põe o pé num palco sem um histórico de vida, sem alguma situação mal resolvida e pá pá pá. para mim, parece que você usa uma academia para encontrar desculpas e motivos e, também, motivações para assim ser, sempre. por que não dizer que não vale a pena? por que não ser sincera e não inventar ligações que nunca existiram? sei que não é se aproveitar das situações dos problemas funcionais de telefones celulares, mas isso. para ser bem franco, eu não penso que tudo pode ser feito assim, simples, entre dois bancos cara-a-cara, com palavras e olhares cínicos. eu assumo que fujo porque não quero enfrentar uma cara-pálida, mas, antes de tudo, porque não quero fazer uma cara-pálida, representar um cara frio e um coração de gelo que, mesmo que você tenha tirado a temperatura, eu não tenho. eu não consigo me colocar num pedestal e falar olhando para o lado oposto de quem eu falo com. eu não guardo caixa de sapato para subir, eu não subo em palanque, eu não penso em comprar microfone. fico com a minha caneta, fico com a escova de cabelo e, mesmo que eu sempre tenha precisado dele para me ouvirem, eu não o quero. sendo o mais sincero que eu posso, não consigo enxergar através dessa parede de vidro, não consigo entender como virar as costas e não verbalizar respostas pode funcionar como uma relação desbundada. eu posso tentar até trazer poesia para isso aqui, mas o que falo é cru: não é profissionalismo ignorar. sabe quantas semanas, sabe quantas mensagens? depois de um tempo eu comecei a perceber que não era mais, que não valia mais a pena. eu perdi a motivação e o mesmo pique, o mesmo saco e a mesma disposição de dar valor, de perguntar, de correr atrás e, mais do que tudo, de dar importância. porque eu sei que é da maior importância. ou pelo menos foi, ou pelo menos eu estou tentando que seja. porque é difícil desimportar alguém. porque a vida não tem dessas coisas, dessas contradições todas. mesmo que ele tenha dito, a vida não se resume a isso que todo o mundo pensa. que você pensa, também. eu queria dizer que é engraçado você alisar a minha cabeça, mas, de verdade, não há a menor graça nessa sua mão cheia de graxa. se nós mesmos não regamos as flores, se deixamos a casa por algum tempo até a água acabar, talvez seu livro possa dizer mais do que eu, possa te dizer que no dia era aniversário de meu pai e que eu não pude ir, que eu te escrevi outra carta e não te entreguei, que eu te fiz outra mixtape e não te entreguei, que eu fiz biscoitos e não te entreguei, que eu juntei tudo numa caixa pintada de vermelho e verde e disse para mim mesmo que não era natal e que eu não podia aparecer entre árvores com um buquê de flores vermelhas numa mão, com a outra mão na cara tentando formar alguma expressão facial falsa que demonstrasse um bem-estar inexistente. para você é tudo tão fácil... é só pensar nas aulas de interpretação, encarnar um animal e atacar um abraço e agradecer pelas flores como se eu mesmo as tivesse plantado um ano antes, como se o brinicle fosse mentira da bbc. mas das suas costas saiu esse dedo e ele atingiu em cheio minha aorta e tudo se espalhou. dali em diante, meu dedo congelou e pronto: um ponto se fez sobre o papel azul. e o que eu consegui ler não foi mais do que uma frase não minha - A amizade entre os dois era como um buquê de flores murchas que Emma insistia em regar. Por que não deixar morrer? -, uma certeza que transpassava o meu corpo e se desfez em um outro dedo, um dedo que você indicou e apontou para mim com a certeza de que era bobo, mas que me convenceu de uma forma tão inesperada e esperançosa que eu, mesmo não querendo agora, passei a acreditar que seja possível que a gente se encontre em Paris daqui a algum tempo, eu com o cabelo bem curto e falando bem o francês, que tudo se acerte, que a gente se case e que eu morra atropelado, enfim.

(...)

parece até ironia do destino que tenha começado a chover agora.

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