quarta-feira, 27 de junho de 2012

dormir nu.

vim de um sonho louco: crianças e máfia. pouca coisa em minha vida, muito a se tratar. nem chocolate, nem um tostão. eu só precisava almoçar. ricardo mostrou o caminho do vizinho com uma das crianças - a mais chata - no colo. vimos o pássaro verdadeiro cantando, vimos o grudado com chiclete na parede e também o mico que me encarou com as mãos na boca. estávamos em grupo, depois de uma fuga, uma correria. amigos dela, também, inevitavelmente. foi só caminhar e perceber que eu não poderia mais seguir em frente. mas que merda foi o que eu consegui falar em voz alta. voltar atrás ou seguir em frente? o corpo respondeu com a dúvida, com o passo em falso e eu resolvi voltar. não, era demais: era uma merda. eu não iria me sujeitar a isso. mas não, seguir em frente, erguer a cabeça, olhar para os lados ou para o chão, como sempre fiz e não vou deixar de fazer. porque eu sei, sei que ela me viu também, sentada na cadeira de plástico vermelho. e eu, eu também, fui me sentar na cadeira de plástico vermelho. mas por que não podia ficar nisso? ela foi fazer seu prato, cheio de comida em voz alta, cada sílaba da farofa e do arroz, do seu novo pedaço de carne e toda a salada que ela consegue comer. tudo, eu tive de ouvir todo o seu prato. em voz alta. mas não podia ficar nisso? à medida que o prato ia enchendo, ela ia chegando perto, como se eu fosse o prato principal, aquilo de mais delicioso, a vingança suculenta. e por que sempre a presa se enconde? cabeça baixa, braços como concha, eu senti a superfície quente do plástico vermelho da mesa. por que as coisas não podem desaparecer no escuro, de repente? por que o plástico não esquenta o suficiente para derreter quem o toca? a mão na cadeira. você não quer discutir isso agora, quer? eu contenho minhas lágrimas, mas é difícil não soltar uma frase sequer. é meu ataque a minha defesa, eu me entendo com as letras. e com minhas lágrimas suprimidas que encharcam meus olhos por dentro, mas que deixa meu corpo seco de tanto requerimento. fico frágil, meus olhos afogados, mas tem de ser só isso. não irá adiante. não pode; não deve. cada um no seu canto, na sua mesa, com a sua parcela de ricardo. eu sinto inveja do bolo de chocolate da criança, da sua liberdade de chutar a minha canela e sair correndo impune. uma inveja que me mata. mas não. a mão sempre volta a balançar o berço. não chamo de pirraça, mas insistência é uma coisa que não derrete nem a 100 graus. por que eu tinha de ter deixado meu corpo nu, tão indefeso, sob esse sol quente de inverno invertido de cidade que não resfria? eu deveria ir mais fundo nos trópicos, temperar a salada do prato que não fiz, mas todo o sal estava concentrado num só lugar. oxidando o ferro, penetrando aquilo que eu sempre ergui como um troféu, mesmo que ninguém sequer olhasse ou soubesse a prova que eu ganhei. e se eu ganhei. o que eu ganhei? nem... ela beijou meu pescoço, mas não um beijo de amor. não beijo de vampiro, mas quase como, porque vampiro suga, sangue suga. era veneno, era cobra, era hera. um beijo que sugava e me deixava vermelho, que dizia que poderia ficar sentindo o gosto do meu colar, meu colar de coruja que estampava a falta de colhões de fazer a bendita tatuagem no peito, aquilo. mas que merda foi o que não consegui falar. e eu, com que cara acordo? por que eu sei que sonho é reflexo do real, mas é também reflexo de um real que não existe, que é projeto perfeito do pretérito. imperfeito como sonho, caco de vidro que machuca não meu pé descalço, mas meu pescoço avermelhado pelo sol. são dois buracos, um para cada braço. e eu, com que cara acordo?

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