segunda-feira, 25 de junho de 2012

nó.

eu pus o tapa-olhos e comecei a pintar a xícara de preto. não foi para desenvolver habilidades artísticas, não foi porque eu queria sujar minhas mãos, nem por um simples querer. mas enquanto eu pintava, as vozes surgiram de novo. já não me passava mais pela cabeça fingir que não as ouvia. eu ouvia, sim, e aceitava o fato. o caso não era de tapar os ouvidos ou de tomar barbitúricos. nem de lutar pelo que eu sonho de verdade. porque, por mais que me dissessem todas as terças que essas vozes eram minhas próprias projeções, não é tão simples acatar fatos falados. um corpo é um corpo, a sentença não tem mais para onde ir. se há um clichê que se encaixa agora, é que somente o indivíduo sabe das suas próprias dores. sua camada externa, sua pele, porque fora é tudo muito superficial, porque ninguém te perfura para fazer jorrar o sangue está preso nessa artéria. é um glóbulo de gordura, uma coisa superficialmente má, uma coisa que pode te levar à morte. mas quando o tu é trocado pelo você, todos se sentem em casa e riem das histórias do suicídio do vizinho há três anos atrás. caiu da ponte, tropeçou na casca de banana, deu de cara com um grande rocha pontiaguda. engraçado foi ver seus lábios abertos, como a pronunciar um adeus que nunca existiu. ah, porque ele não era tão tradicional a ponto de cortar os pulsos e mergulhar em sua grande banheira branca. eu lembro quando você deu a sua grande risada e olhou diretamente para mim, como se apontasse para o meu rosto, como se estivesse me dizendo telepaticamente veja como você é patético. mas patético é usar o sexo como alguma espécie de vingança. quem é você, agora, para me apontar qualquer dedo de suas mãos quase brancas de tão roxas, verdes como um pântano repleto de crocodilos. seu coração não se encontra no fundo do poço. é mais raso, mais superficial. nem praia, nem lago, nem riacho. na piscina do prédio. a produzir as ondas para as crianças que se divertem, que cutucam seu órgão e você já nem sente, porque ele sequer está em você. eu, decepcionado, o romântico depressivo com tendências suicidas, o frio, distante e calado, não rio de você. eu nem sequer reclamo do cheiro de chocolate que você carrega em seu pescoço e que me dá ânsias de desmaio toda vez que você levanta do sofá. eu permaneço na minha poltrona, nem levanto o olhar. cheguei à conclusão de que não é mais necessário o esforço de uma garrafa de champagne ou de gravar uma ópera num disco e deixar na portaria do seu prédio. porque você não está mais lá, porque eu não vou mais andar descalço pelas ruas desse corredor a pisar pedaços. eu não caminho mais nessa direção. eu volto à poltrona, verde-veludo, como figurinha carimbada que eu dei para mim mesmo, sem esses óculos que você pôs em mim, esses sapatos e essa cara de poeta mal-compreendido. eu me sento e aceito o fato de que não vou ser feliz, nunca. mas eu sei que, pelo menos, posso estar contente. e posso desacreditar no medo de você vir me servir uma taça desse champagne que é cerveja enquanto eu fecho os olhos. porque eu não acredito mais em você. eu não acredito mais em nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário