sexta-feira, 24 de agosto de 2012

a sala está vazia, mas todos os lustres estão acesos. talvez seja melhor pensar que alguém lembrou de mim, mas eu sei que o expediente do hotel ainda não acabou. eu sei que estou sozinho nesse saguão, mas sinto que a qualquer momento a paz pode ser perturbada pelo mínimo ruído de elevador subindo ou descendo. esses momentos ínfimos, abstratos e intangíveis que fazem a vida parecer magia, conto de fadas. todos aqueles lustres pendentes brilhando para mim e o silêncio. eu poderia escrever palavras como mistério e escuridão nesse meu caderno de folhas borradas de chá, mas prefiro continuar observando o tempo congelado, a ponta de um cristal que derrete no tempo mais largo que o universo pode suportar. a fragilidade sempre foi uma coisa que me chamou a atenção, que me seduziu de corpo inteiro. é como se eu sentisse uma inveja daquilo que eu quero ser, as bocas perfeitas, as sobrancelhas apagadas e os olhares perdidos dos meninos da sociedade de poetas virgens. como se a pureza estivesse na negação de um funcionamento corporal que a todos é exigido e que, de fato, não altera muito. eu sei que não é uma questão de defesa ou auto-afirmação, mas eu nunca pensei que a mínima gota de suor pudesse significar um trabalho bem feito. eu posso chorar ou correr e meu corpo continuará da mesma forma de antes. antes de tudo, depende de quem eu sou, não de quem eu quero ser. talvez porque eu não tenha uma imagem clara de quem é essa projeção de futuro, mas de um passado que não, não é assim, tão obscuro. eu carrego demais minhas palavras, dramatizo e sinto falta de sentir isso de verdade. sim, eu queria poder viver as minhas palavras - tanto quanto delas. se o dia é outro, às vezes eu as leio como de outros e isso me machuca. porque eu não me reconheço. porque eu não consigo acender o abajur, porque todos os lustres estão acesos não para mim, mas porque os saguões de hotel estão sempre iluminados, sejam cinco da tarde, sejam três da manhã. e essa hora em que me encontro, esse momento em que eu queria poder dizer crucial, não define nada para frente ou para trás porque eu sempre fico à espera de um momento que eu posso chamar, num passado, de crucial. eu tenho dificuldades de presente, eu sei, mas não me adianta de nada torcer meu próprio pulso ou sonhar sobre isso. pode ser um sonho, podem ser dois. pode ser o repentino golpe que acerta o lustre mais próximo. e tudo muda com o barulho. não, não é o caos, mas a percepção de que o distúrbio surge de mim. se eu esmurro a parede, as vibrações tocam o meu peito. e se eu jogo a xícara no chão, o pé que sangra é o meu. eu vejo sentado a conseqüência dos meus atos e, enfim, deixo-me livre para o que vem da terra do fogo. as palmeiras em chamas, as praias desertas e a sensação fresca do ar gelado que recebo na cara ao pisar fora do avião em são paulo. a sensação dos cabelos longos que não existem mais se mexendo sem que eu possa controlá-los e o sorriso não disfarçado no meu rosto. o segredo obscuro desvelado, um som sem som, algo que não faz a menor diferença mas que foi a mão amiga que se sujou de sangue, a minha própria. o meu próprio sangue, o meu olho roxo, tudo o que eu sempre sonhei e proclamei em textos como desejos. eu tenho uma urgência, uma poesia que não se compõe de palavras ou gestos. enfim, eu me sujei.

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