domingo, 5 de agosto de 2012

eu?

eu não diria que é engraçado. nem trágico. mas esse sentimento de viver que persiste em muitas pessoas muda de figura de uma hora para outra. é como se o josé resolvesse contar à maria que outro dia vai nascer e que, dali a algumas horas, eles verão o sol se pôr. acontece que esse tempo de josé, tão defasado, difere do de maria, e ela pode achar muito tempo. e ele, pouco. o tempo que os separa não possui uma unidade de medida correta, nem um valor. é como uma força, uma massa abstrata que penetra nos poros de cada um deles e escorre pelos dedos. como um suco de uva que, de tão puro e açucarado naturalmente, empedra no fundo. eu poderia sentir pena dos dois, juntos e separadamente. mas o que essa urgência tão grande faz... tira de mim a escolha, tira de mim a crença de que um dia o tempo dos dois se unirá num tempo universal: 00h00. um tempo onde tudo começa e termina, onde um ciclo se fecha e se inicia, outro ou o mesmo. como se a vida não passasse de um círculo, feito de diversos pontos, retas retorcidas, caminhos moldados e serpentes atrás da própria ponta corporal. tudo não passa de uma lua eclipsada, uma luz natural que se esconde atrás das nuvens que chovem de quando em quando para nos lembrar de que não estamos sós. existe o tempero do alecrim, os braços frágeis das crianças e os lábios doces das fêmeas protetoras. e nem tudo é regra, nem tudo é contraposição, justaposição, ataque ou permanência de status. existem os sons ínfimos que não conseguimos ouvir no dia-a-dia, o barulho da chuva que cega quem não quer ver. existe eu e você.

- eu tenho pensado muito nisso ultimamente. que todos nós somos feitos uns para os outros, que tudo possui um destino e que somos uma história escrita há muito tempo. somos marionetes, perfeitos bonecos de madeira que se deitam em caixotes no adormecer do sol e da lua. penso que, se fôssemos mais sagazes, poderíamos raptar nosso criador, pedir misericórdia, chorar aos seus pés e fazê-lo chorar. como se todo o mundo fosse simples de resolver e nós, enquanto bonecos de madeira, não conseguíssemos enxergar através dos nosso olhos de plástico acoplados com cola quente. porque não se precisou mais do que uma pistola de plástico para nos iludir, para nos fazer acreditar que a vida podia ser sentida e entendida através das belezas que existem por aí. que para tudo existe uma resposta, solução. que tudo é mágico, maravilhoso, criação de...
- de quem? quem criou? quem descriou? quem inventou e quem desinventou a roda, o andar, o paralelogramo? tudo não passa de massa modelada pelas nossas mãos, maria. eu posso querer pensar demais no meu troninho de madeira de carpintaria, mas eu sinto que há muito mais por aí para se sentir do que para se ver. se eu sei que isso tudo não passa de abstração e compreensão filosófica do que a gente imagina, por que eu deveria me impôr a dançar passos quem eu nunca quis aprender? é muito pouco em troca do que eu deveria exigir. porque tudo isso não passa de exigência humana pelo saber, pelo ver o objeto pelo que ele é. e não dá. maria, não dá. simples assim, porque é muito difícil aceitar as nossas incapacidades, os nossos limites e as nossas cordas bambas.
- e os nossos deslimites, onde ficam? onde a gente pode encontrar a queda da corda que não dói, mas amacia cada vez mais os nossos ossos e os vaporiza em sons azuis através da zoosfera? eu sei que, como para todos, existe muito mais para mim do que para o que eu posso imaginar que há. mas como eu posso fazer essas escolhas? como eu posso trilhar meu caminho se eu desconheço o chão em que piso? sei que é amarelo, marrom ou vermelho, mas eu só posso constatar isso. só posso saber onde piso depois de pisar, depois de trilhar o caminho. por isso, josé, por isso eu acredito que tudo já está traçado, as linhas em nossas mãos são nossos destinos antes de a gente nascer aqui nesse pedaço de globo.
- eu pensava querer mais do que realmente existe. pensava que nós assim o queríamos. mas se tudo já está traçado, somos, então, simples marionetes? tudo teatralizado demais, tudo manipulado demais... existe algum modo de cortar as amarras, maria? você, tão sábia nesse mundo de dois, sabe mais do que eu e você juntos, abraçados no colchão d'água. como uma águia sabida, sagaz. sua sagacidade ensandecida, atrás do sangue dos vivos, do jorro que vem das almas penadas que por aqui transitam e tremem atrás de paz. eu queria tremer também, mas não de dor nem de alegria. tremer pela simples natureza do tremor, como um ajuste, com lava escorrendo e jorrando pelos poros, como um ajuste, um ajuste de quem eu sou, de quem somos nós, nós dois, eu e você, josé e maria, como se eu pudesse me tornam joão e me encaixar de vez no papel de seu irmão.
- querer a perfeição é se deixar levar pela maldade do bem. as incoerência estão aí por razão de ser. se eu falo pomposamente demais, deve ser porque alguém fala de menos. e nós estamos aqui para encontrar o equilíbrio, não para permanecer e aperfeiçoar nossas características-hóspedes. se eu pudesse sentir a falta de nós dois, te diria que aqui é tudo muito mais do que lápis cor de grafite e gorro cor de céu. é muito mais do que o estojo perfeitamente arrumado que eu coloco no bolso esquerdo da minha mochila, muito mais do que o caos que se faz dentro dele quando eu chego ao meu destino. nada passa despercebido, como se, quando eu colocasse os fones nos meus ouvidos, pudesse sentir que estou num filme, um filme onde todas as tonalidades de azul conhecidas se fazem presentes e constantes, um exercício de diretor onde eu, atriz, interpreto apenas o que me mandam, o que me diz respeito, e não desvio o caráter, não marcho-em-ré através do espelho.
- mas o perfeito não existe.
- justamente.
- justamente pelo quê eu poderia rogar, então?
- pela misericórdia.
- e passar o resto dos meus dias esperando que um desejo seja atendido por alguém que eu desconheço o rosto?
- não. você deve rogar a alguém que você realmente conhece, alguém que você conhece mais que todos os outros.
- eu?

Nenhum comentário:

Postar um comentário