sábado, 23 de janeiro de 2010

o gato necessário.

Sem ajuda nenhuma, é fácil perceber que a solidão tem suas duas faces. Não sei se considerei o maniqueísmo errado por muito tempo ou se foi ontem que ele se sobrepôs em minhas intermitências. Mas, enfim...
Eu agora já não sei de mais nada. Não sei mais de gente, nem de mim. Mudanças completas, 17 anos, solidão voluntária. Acho que o meu caminho é aparecer incógnito em platéias de peças de teatro. Não que esse seja o meu futuro, mas o meu percurso. Provavelmente me fará bem este afastamento, mas eu já nem sei mais. Minha intenção nunca foi aparecer, ser cumprimentado, dizer “olá”. Mas também não tenho a menor predileção a me esconder sob pedras. São duas imagens contemporâneas, eu sei. Mas o que não é mais contemporâneo? Fico estatelado ali no chão e pronto. Eu danço por dentro e ponto. Eu jogo tetris e ninguém mais me importa. O mundo não vai girar nunca ao meu redor, sempre sei. E não quero ser planeta. Não quero perder, muito menos ganhar. Não quero ser gente. Nem xícara azul. Pra dizer a verdade, eu não sei o que não quero. Sou só um pedaço de papel alumínio modelado, segurando uma pipa de pássaro. Quero: pássaro, pombo, pena, coração. Piano de terra, canção lunar. Meia-lua, meia-calça: tudo não passa de disfarce celeste da escuridão, eu sinto. Eu sei. Não me faltam os cabelos, por isso eu sei. O mais famoso de todos, a roupa vermelha, a seriedade sincera que só ele poderia ter. Mas faltam os pedaços, faltam-lhe as caretas de velha, os dedos pingando, os cigarros estrelados. Onze, cinqüenta e três, tudo tanto faz. Amando, cabelo, oratória e labial: tudo preponderando, morte, desvio. Prefiro ser esquivo, casaco preto, tênis vermelho: é assim. Tudo se modela, assim como tudo se transforma. Matéria bruta lapidada, riso controlável, tropeço inaceitável. É a casca de banana ali no chão, jogada em mata escura da noite do pigarro. Só digo que não adianta mais, já foi e pronto. Cartas são assim, temos de entender. E quando corujas começam a cantar em meus ouvidos, nada mais tem volta. Planta cresce, criança assovia e eu. E eu fico parado no sofá. Escutando sons, rindo desnecessariamente; falta do que viver, sonolência, desengonçado que sou. Sem chão não há pisada que agüente essa ferveção de sábado. E eu não moro mais aqui. Não tenho mais endereço fixo, não vivo em casa convencional. Não quero casa, comida, roupa lavada. Não quero vida. Eu me quero, complicadamente assim. Eu vou me entender e me ter como companhia a partir de agora. Três meses no silêncio, piano a bordo. Gruta escura, som gutural. É o coração palpitando de terror. Mas não há o que temer. Sou só eu. Eu, eu mesmo, sozinho. Sem perigos desprezíveis, sem espelhos côncavos, eu quero me conhecer. Viver comigo, beber café sem açúcar. A vida não é feita de suspiro, meu caro amigo. E eu falo comigo mesmo, por dentro, se necessário. Mas não será: três meses em silêncio. E, aos viajantes, não esperem mais por mim.







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