Estou sob uma capa negra, um moletom qualquer que encontrei jogado pelos cantos dessa casa que tem as paredes mais frias que eu já toquei. Não que eu tenha tido muitas vidas, seja muito experiente ou já tenha trocado várias vezes de cueca. Mas é que certos cheiros me enojam. E esses prismas que você coloca nos olhos antes de entrar em meus aposentos me deixa infimamente frustrado comigo mesmo. Você estampa aos meus olhos a minha impotência, o meu descaso com a sua visão e o meu desgosto natural pelo mundo que as pessoas fazem em volta de si mesmas.
Não sinto no meu íntimo a mínima gota cristalina de piedade desses patriarcas que andam pelas ruas dessa cidadezinha cada vez mais cinza. Se eu fosse czar ou algo assim, mandava construir estátuas para todos. Ou até mesmo juntava todos numa casa e tirava todos os seus compostos antioxidantes. Pode ser que seja falta de percepção da minha parte, mas eu não me importo. Nunca tive percepção em toda a minha vida. Por que cargas d’água haveria de ter justamente neste momento? Neste momento no qual enfiam uma faca minha goela abaixo, que eu bebo o chá de amargura de um gole só, que eu seco por dentro e implodo meus tímpanos para que mais ninguém ouça os gritos que tenho dentro de mim.
Nunca me interessei por açúcares ou doces de esquina. Nunca quis comer um torrão sequer. E não haveria de ser agora que eu revelaria a todos as minhas paixões e tremores. Sim, eu tenho conchas, eu tenho pedras, eu tenho colares que não me cabem no pescoço. Eu visto o pano que me aparece, seja vermelho, verde ou até mesmo transparente. Não tenho escrúpulos, não tenho pudor. Se quiser, faço do Senado um puteiro e isso não me incomodaria nem no inferno.
Coûte que coûte, tinjo os cabelos de preto ou de louro na hora que me convir e pouco me incorporam os comentários que farão acerca da minha índole.
Que rubricas revelarão ao mundo as minhas gavetas? Pouco me preocupo acerca deste afazeres domésticos, pouco me importam as crianças nas escolas e os professores tarados: neste mundo ninguém sobreviverá. A máxima já diz: do pó viemos, ao pó retornaremos. Eu prefiro tocar com os meus japoneses, assim sinto-me mais recluso e feliz neste mundo de saunas e saudações patriarcais. Não me enche o saco.
Amanhã eu vou acordar e sentir-me-ei bastante melhor. Acho que é só a ressaca do vinho de anteontem: colocaram chumbo em meus braços e o copo não alcançou a minha mente. Meus neurônios estão a mil aqui dentro. Qualquer inconveniente, basta procurar-me no cemitério três, aquele da esquina dos ipês-roxos. Estou sempre lá. E te espero sempre. Espero que goste de mim.
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