domingo, 5 de dezembro de 2010

caminhei por mais três quarteirões. para onde mais eu poderia ir, onde poderia parar? não existiam muitas chances, dez minutos já tinham voado do meu pulso como pequenas viuvinhas assustadas. eu deixei de soprar por alguns instantes e ele já tinha sumido do meu campo de visão. se eu não tivesse guardado aquele rabisco em papel rosa, talvez tudo tivesse sido diferente, ele não tivesse, não tivesse. não tinha muito o que fazer e derramar lágrimas rubras não era um bom caminho para conseguir se recompor de uma perda que faria muita falta, não material, mas num sentido muito mais abstrato do que aquilo que a gente chama insistentemente de amor. não era amor o que eu sentia por ele, não foi amor o que ele sentiu um dia por mim. se eu decompôsse-me ali mesmo, na calçada, na rua, não faria tanta diferença. um mundo de tecidos, um punhado de derme. um pouco de auto-consciência me fez bem e eu pude apenas sentar nos paralelepípedos brancos e pretos, pretos e brancos, assim como todos os filmes que eu vi antes de me mudar para essa cidade com um espectro de cor demasiadamente excessivo. mas se eu assim não o fizesse, não seria eu mesmo ali, naquele momento ínfimo de percepção do ele. ele, que era muito pequenino para tocar violino, seus dedos partiriam, frágil que era. um menino de louça, talvez. não, ele já tinha anos formados, não era nenhum feto recém-nascido, não era nenhum bebê. não devo perdoar os outros pela sua imaturidade desproporcional ao tamanho do crânio. eu deveria ter chorado em seus olhos, banhado o seu sangue com os meus lábios secos, embeber-me em cacos de vidro que ele quebraria naquela rua só para me fazer sorrir. não deveria ter aceito as flores, não deveria ter dito que gostava de gardênias, mostrado o centro de mim. se eu tivesse deitado numa grama macia, talvez pudesse concordar com o que ele disse para mim, minutos após saber da existência de um nome para uma pessoa tão invisibilisada como eu. e eu deveria dizer o quê? chamar-lhe de quê, senhor? não, não, claro, seremos mais que amigos com o passar do tempo, dos nanossegundos que nos distanciam do nosso futuro brilhante. se brilhante é o que aconteceu conosco, o que teria sido então o obscurantismo de uma relação como a nossa? ou melhor: a sua de uma réplica perfeito do seu eu. eu não fui eu mesmo, e não devo lhe confessar neste momento, vez que já sabe isso desde que soube da existência do meu nome invisível que não cabe sequer num rasgo de papel. segurando a lua, eu me lembro, você disse que me daria um apelido. um carinhoso, um que revelasse um amor profundo por tudo aquilo que me era de verdade, o que era só meu e que eu não queria dividir contigo até o momento. e do que escolhestes me chamar? eu pouco sei, não escutei os seus sussurros noturnos de lobo. deveríamos ter tostado a lua, ou melhor, você deveria tê-la servido numa taça para mim, com os lábios derretendo de luz, uma luz ofuscante que me atraía cada vez mais e mais para o seu quarto particular. e eu, que me deixei envolver por lençóis brancos manchados de tinta incolor, manchados do meu sangue, da sua boca no meu sangue, do seu sangue na minha boca, do nosso sangue de animais à beira do precipício. eu não me controlei. e como poderia? como poderia eu, simplesmente, atar-me a cordas, amarras em extremidades da cama, numa forma masoquista de vivenciar os momentos íntimos do seu viver e morrer em atenas? ou melhor, na cidade proibida de zeus.
eu deveria ter me distanciado de ti, não conhecer tua mãe, teu irmão, teu pai por retratos de quem fingia ser feliz antes de abandonar a família para viver em veneza com uma morena de olhos castanhos cativantes, mais do que os olhos azuis fúnebres com os quais tua mãe me olhou. uma mancha, uma mancha no meu lençol particular, uma mancha que eu nunca consegui limpar, deixei secar, deixei criar raízes e se fincar ali, no meu quarto particular, para sempre, para sempre em mim haverá uma mancha. e quando eu andei três quarteirões tentando esquecer dos tempos em que fui feliz antes de descobrir que tudo era uma farsa, lembrei de tudo o que me iludiu por nanossegundos antes de virar as costas e sair correndo em direção as árvores para que tu não me visses mais de uma vez e não quisesse saber que eu me chamava...

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