por muito tempo os dois podiam ser vistos dali. via-se com os próprios olhos duas crianças ainda, nem tinham nada no corpo, não tinham corpo. a juventude deles extrapolava os limites do corpo, dava para ver. e não havia nada que quem os observava poderia fazer, nada que pudesse pará-los, impedi-los de estragar um futuro que poderia sim ser brilhante, não em luz, mas em trégua. se alguém parasse para medir a quantidade de brilho que se podia ver dali, ficaríamos cegos de tanto, tanto a se ver. mas nada se podia fazer, não há nada que os impeça. e nem se chegasse um terceiro, um quarto personagem, tudo já fora perdido no tempo que acabou de passar, no segundo que passou pelos nossos olhos e se desperdiçou no nosso córtex. se fôssemos marinheiros, se dançássemos ao som dos violinos, se soubéssemos tocar violoncelos e organizar um baile para que todos dançassem em reverência ao fato presente e ao futuro bem-vindo... mas nada pode ser desfeito, sabemos por nossos próprios olhos. o córtex que decodificou cores, que identificou matéria, que transformou em impulso tudo o que existe - ou que não existe e nós criamos - tudo, simplesmente tudo o que foi e não poderá não ser uma vez que já foi. sei que confuso está sendo o que se diz, mas a complexidade dos fatos nunca afugentou ninguém de alguns rabiscos delineados numa parede ou numa folha. o peristaltismo que nos dá quando nos deparamos com essa força mais forte que nós mesmos, mais forte do que o que nós nem sequer sabemos se é verdade, o que pregam por aí, o que nos olha sem ter olhos como os nossos, o que ninguém viu. o que nenhum marinheiro ousou sequer duvidar, apenas acreditando no balanço e colocando tudo o que comeu para fora porque assim acontece, porque a força mais forte assim o quis. o conformismo corrói os canais, garante à terra um pedaço de carne já despedaçada, uma putrefação que não é pouca para o que se vê colocando primeiro o pé direito, depois encostando-o longe das formigas e gramíneas, depois puxando o outro pé, a esquerda perna, para o mesmo lugar, mas dois corpos não ocupam um mesmo espaço, mas se é um só corpo, como não posso ocupar o meu próprio espaço?, perguntou-se-lhe-me numa dessas vezes nas quais pensamos em desistir de tudo, tudo mesmo e apenas caminhar no pasto.
eu não disse porque eu não sabia, eu não existia em mim, não era um corpo, não existia eu, que palavra é essa que não existe?
o pé direito, a perna, depois o esquerdo, a outra, a movimentação que deveríamos sentir, todas as partes juntas, mas que eram pedaços, só pedaços, não passo de pedaços, de células, de átomos, não me alimento de arsênio, quem serei, ou melhor, quem seremos?
o vento sereno tentou atravessa o cabelo, mas ele não existia. e por isso ficou.
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