sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

océan.

seria possível traduzir o que se sente em poucas palavras? acho que não. tudo é muito pouco para definir o que se sente. tudo faz parte de um plano maior, algo que não se alcança com uma comunicação precária entre pequenos seres que conseguem se mover na água mas não sobreviver nela. minha independência, nossa, foi conseguida com muitas perdas. tudo o que mais me fascina é onde não posso viver. e é onde eu mais queria viver, queria poder nadar para o sempre do fim da minha existência. queria poder borbulhar a água constantemente, ver os mais diversos, sentir na pele, trocar gases sem me mexer. mas eu, como outros, ainda dependo do retorno à superfície, preciso encher meus pulmões de ar para carregar essa minha complexidade, para regar essa minha complexidade de um líquido viscoso, um plasma que hidrata e vitamina o meu corpo, a minha mente e, por que não dizer, a minha alma. eu preciso de oceano em mim, e o tenho, bem dentro. mas não posso tê-lo completamente fora, ao meu redor, no chamado alto mar, eu não posso, se não morreria, eu morreria por ele. se eu encostasse meu rosto no oceano, não sei se eu retornaria. tenho tanto medo de me perder, de perder o que eu tive que conquistar por terra para criar minhas raízes e ter minha energia, alimentar-me, crescer... foi tanto e tudo eu posso perder num simples mergulho. mas esse perder talvez seja um ganho, um ganho de um mundo que eu almejo, um mundo de poucos, que não se encontra aqui e em que ninguém aqui se encontra. é como se eu tamborilasse a superfície da água e toda essa energia fornecida fosse, naturalmente, passada adiante, sem eu ter o meu retorno, assim como em terra. dei por terra e, por assim dizer, permaneço aqui, estático, criando minhas raízes almejantes de água, que já não sou dependente, consigo viver sem ela. mas não, eu não consigo. essa necessidade tão falada é por mera reprodução. e, por mais que livros e pessoas digam, minha existência não se fundamenta na procriação. sei que é audacioso da minha parte excluir-me do geral, mas é assim que eu me sinto, sem querer me vangloriar da minha (in)diferença existencial. se eu existo, não é porque penso, porque, para ser franco, não sei se existo, não sei se rumei os caminhos corretos, não sei se existe correto. quantas chances eu tenho? quantas vidas eu tenho? tenho dois pulmões, sim. ou seria só um? o conjunto? isso não passa de complicações de algo que já é complicado e só queremos descomplicar, complicando ainda mais uma coisa que, a depender dos nossos olhos, pode ser complicada ou não. sôo confuso, eu sei. e não me desculpo pelo mesmo. minha intenção não é ser algo-isso ou algo-aquilo. não me preocupa o que sou ou não sou, o que deixo de ser para não ser e assim ser o que não sei se fui e se continuarei sendo até o fim que não sei. se eu dissesse que a vida é infinita, quem haveria de me contradizer? quem conhece os outros mundos, as outras galáxias? quem pisou na lua? não afirmo conhecer o espaço que não é o de aqui, mas quem teria a audácia de querer saber mais do que o que é, o que vemos e não sabemos se é mesmo, se somos nós, se eu só invento palavras para dizer ou se me confundo ao tentar explicar a mim mesmo, justificar a minha existência nesse mundo e nos outros circunscritos, ou melhor, o contrário disso.
sabe, tenho muito pouco tempo, e quando digo muito pouco, quero contradizer-me, ao tempo e ao espaço que preencho de um vazio interminável, pois que o que é vazio não tem fim, e eu o preencho de um líquido viscoso, um plasma, o sangue da existência da alma das pessoas que voam ao meu redor e descrevem a mim, insistentemente, a beleza que o mundo traz ao olhos. e eu, inocente de mim e incoerente de passos, caminho ao abismo da vida, mesmo sem saber dar nome. posto que o que mais importa para mim, aprendido depois de anos de repreensão, é o sentir, e não o dizer. por isso mergulho na imensidão que vejo azul por vezes e verde por outras - ou mescla, se pensarmos lá do alto. porque o que importa mais é o infinito que se cria para si mesmo de dentro do fundo do mar, e não o tamanho dos pulmões que carrego para respirar.

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