pus o primeiro pé e o estrondo surgiu. como se eu tivesse, enfim, aberto o diário daquele que sempre persegui. segui flexionando a ponta do pé, rangendo as lascas de madeira firme que ainda restavam naquele sótão. tão só eu me encontrava, a ponto de parecer que algo me rondava e, no fim, era eu mesmo. eu e eu mesmo num espaço confinado, fazendo barulho para acordar e atordoar a mim mesmo. serei, eu assim, tão abusivo e barulhento? não terei, eu, limites, nem para um eu próprio? como poderei, eu, responder a perguntas de mim mesmo? pois quando fecho os poros, o que ouço não é a minha voz senão o meu interior, o meu ulterior, o que está aqui e lá. não tenho como me ferir, não tenho como passar pela porta e o máximo do meu máximo é ranger os dentes e ranger as lascas de madeira sob meus pés molhados. se vim da chuva, foi porque aflorou em mim um sentido e um sentimento que são além-vida, anos-luz daquilo que achamos que somos e seremos para todo o sempre. digo isso enquanto ser humano, sendo um ser humano, enquanto desprezo e amo, enquanto aporrinho e amo, enquanto piso e amo, nego e amo, finjo e amo, costuro, masturbo e amo. amo porque amós. porque a noite, porque o universo, porque porque.
invento palavras sobre meus pés e elas se aninham sob eles, como forma de coesão e, abrasivando a minha saliva, pululam paulatinamente. sento porque não há espaço e eu crio o meu. arranco tábuas e colunas, risco quartzos, quebro diamantes dementes e desenho silhuetas nuas no ar que me circunda. o meu universo e os meus milímetros de mercúrio, meu líquido denso, sinto-me tenso, o peso em minhas costas, minha clavícula fraturada e as costas que eu nunca vi, nem em espelho. cambaleio com os dedos e paro no próximo bar para, enfim, desvirginar-me alcoolicamente. esse é o meu rito de transição? amadureço, eu, assim? não. tudo que faço é pedir uma garrafa d'água, de vidro, por sinal. meu amadurecimento é uma garrafa de vidro, é água dura, é oxigênio, é o ar que respiro. e por aqui paro.
tão detalhadinho.
ResponderExcluirmuito, mas muito bom.
tava com saudade de te ler!
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