quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ainda chove lá fora. não, não da mesma forma, não na mesma hora, mas ainda assim. eu escolho fechar os olhos por alguns instantes, mas o tempo se faz tão eterno no escuro que eu permaneço estático na poltrona de veludo. naquele momento, tudo o que eu quis foi permanecer.
mas sete clarões se fizeram e, enfim, a curiosidade acordou o gato sonolento. ou talvez tenha sido o barulho, não me recordo. mas sei que vinha do céu a mensagem para eu retornar à vida. não poderia passar o resto da minha eternidade terminável acolchoado naquela poltrona. não era esse o plano. levantei calmamente e acendi a luz, checando com os pés para não escorregar no piso molhado. abri a janela, deixei o vento e o som entrarem no quarto e eu me senti beijado com a boca aberta. eu não estava pronto, mas tudo foi sempre assim. há tempos já estava acostumado com o despreparo. ou, seria melhor dizer, desacostumado com o preparo, uma vez que já não mais decorava falas e nem olhava diretamente para o sol. se não fosse para ver suas manchas, de que adiantava queimar as córneas?
resolvi, enfim, buscar mais um copo de água. deixei escorrer pela boca, queria sentir que minha traquéia ainda funcionava. queria sentir a pele do meu pescoço arrepiar-se com o choque térmico, queria sentir que ainda estava vivo. porque no escuro, não me restava nada além da dúvida. era como ser daltônico para a vida. não enxergava o vermelho vibrante do coração pulsante, nem o verde esbaforido das plantas. tudo para mim era preto e branco, acinzentado, como cinzas de uma vida que havia sido. eu tentava enxergar beleza naquilo tudo, mas não passava de fingimento. meu receio era sair na rua e encontrar com pessoas que nunca tinha visto mais pálidas ou mais escuras, ouvir um som ao qual não saberia responder. meus nervos, meus músculos não correspondiam. não, eu nunca poderia pôr os pés para fora.
meus dias resumiam-se a ver palavras soltas no ar e sentir correntes de vento, a água dura roçando meus joelhos e as luzes piscando no céu. cheguei ao ponto de deixar meu cabelo crescer para saber até onde os pingos iam. eu caí para poder sentir o gosto da dor, para poder provar do sangue e para, enfim, sentir o cheiro da água oxigenada corroendo e coagulando tudo o que encontrava em meu corpo. e este era o ponto: até que ponto eu poderia suportar um dor física em prol de uma vida sem cor?

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