sábado, 26 de maio de 2012

de algum jeito, eu vou.

eu sinto que, do pouco que eu tenho visto, nada me lembro. como se uma maçã sem nome se entrepusesse entrem mim e minha consciência, uma maçã verde escondendo minha cara do espelho, com um ambiente sem luz rodando aos meus pés e fincando suas raízes nas minhas mais escassas veias. querem voltar para o coração, fazer-me sentir, de dentro, o que de fora pode vir. se minhas artérias já estão negras, por que filtrar o sangue? sangue azul? queria pode enxergar no escuro, não mais precisar tatear as quinas, andar descalço e pisar nos cacos de vidro sem sentir dor. que o sangue escorresse, que eu não sentisse, que sobrasse apenas um sorriso leve no canto da boca. porque pra isso mesmo que serve: pra deixar um sorriso no canto da boca.
não, eu não peço mais perdão. se eu errei, foi com intenção e eu já não agüento mais ter de perguntar sempre o que aconteceu. porque eu sei que, no fundo, é só mais um daqueles dramas adolescentes do tipo não-tenho-carona-para-ir-à-festa-de-fulaninho. eu não vou mais fingir que entendo, não vou fingir que existe a possibilidade de eu sair porque não há. não mais. já saí e vi com meus próprios olhos que não é isso que eu quero. recuei, rebobinei meus passos e voltei até à época do rio. fui longe demais, mas sei que fez bem. peguei papeis, reli e li. avancei até ano retrasado. e pude ver quanta babaquice eu tinha escrito. drama de adolescente também, mas daqueles que vêem uma esperança no fim do túnel. um babaca com dezessete anos mal formados. dizer que aquilo era bonito, que aquilo era humano... quem sabe o que é bonito? quem sabe o que é humano? quem sou eu para dizer? sem falso moralismo, digo que não era eu. nunca vou ser. e posso afirmar que ninguém será. quem disser, é só mais um tolo que vai para a coleção de jovens de dezessete anos que acham que a vida pode ser maravilhosa. o que um pôr-do-sol não faz, não é mesmo? pode, também, ter sido o filme, a época, quem estava perto e quem não estava. talvez seja porque agora não tem ninguém perto. não tem porque eu não quero, porque eu não deixo. deixo claro, claro como água de rio em cidade serrana. claro como a luz refletida no lago que muda de cor, no cristal que existe lá embaixo. eu quero ver com os meus próprios olhos quem se atreve a bater na porta. quero ouvir, quero sentir as vibrações e ouvir a minha própria voz ameaçar de morte. não, eu não quero um abraço de desculpas. tampouco flores. chocolate não resolve, principalmente porque a gente não brigou. nada. nonada, só o fluxo do rio que serpenteia entre os dedos dos meus pés que tocam o linóleo gelado. é disso que eu me lembro, só disso. minha única lembrança do passado é um caminho de luz, eu segurando um guarda-chuva e proclamando que eu não seria capaz de terminar aquilo. aquilo. aquilo o quê? não sei. e importa saber? lembro mais do cheiro de chuva, do cabelo e calça molhada e só. o sabor de banana na boca, um cheiro de flores amassadas e eu livro que eu devo ter lido a mesma frase trinta vezes pra ver se desprestava atenção no seu desfile de aberrações. você se mostrando, mostrando a mim que a vida podia ser bonita. bobinha. bobinho. não sei. era você de calça, era de você de vestido? adianta de quê saber? lembro que você se desapoiou do meu braço direito, disse qualquer palavra bonita sem sentido e se foi me mandando seguir em frente. mas o que foi que eu disse em seguida? nada. eu não disse nada. porque você nunca tinha se apoiado no meu braço direito. você tinha agarrado minha perna, mordido minha coxa, cheirado o meu dedão e apertado minha virilha. violência pouca para dor física, o que eu sentia era mais interno. tão interno que nem lembro. por isso vôo direto para ontem, quando passei o dia em alto-mar, lavando o que eu nem conseguia ver para poder ver depois de não mais poder. eu queria ter podido ficar por lá, perder-me entre os peixes e as águas-vivas que eu não consegui ver. arranquei pedaço sem querer, me molhei não querendo e depois deixei para lá, porque cedo ou tarde isso aconteceria. não comi a maçã, não vi mais verde. foi só azul. um azul sem fim, para lá onde o só se põe. lá onde eu me deito toda vez que quero morrer daqui. lá para onde eu olho quando não quero ver aqui. quando não quero viver aqui. eu sei que poderia cavar um buraco, atingir o outro lado do mundo, tudo apenas com uma colher. mas não é isso que eu quero. eu não quero me mudar. eu só quero ir embora, deixar para trás todos esse embaraço, tudo embaralhado e disperso pelas calçadas e enlameado pelos pés descalços dos que passam atarefados e atrapalhados. de agora em diante, de nada adiante eu esperar no ponto de ônibus. não só porque o ônibus não vem. mas porque daqui não sai ônibus para onde eu quero ir. e eu quero ir. e eu vou. de algum jeito, eu vou.


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