segunda-feira, 4 de junho de 2012

smooth tango.

eu apertei uma mão, um copo de quem eu não sabia, um corpo que eu nunca tinha sentido. não antes, não nunca. sentia como se tivesse chovido esse tempo todo e eu, depois de anos, percebi a minha encharquidez. senti uma dormência na perna, como se nada fosse mais instável do que o toque hermético de um copo gelado na mão de uma pessoa pessoa sem coração. o vidro se quebraria, disso eu tinha certeza. e era isso o que eu mais temia: deixar para trás a redondez e a circulação de um algo aberto para o que viesse, deixar em pedaços um algo que não precisava de mim e do qual eu também não precisava. eu não poderia me sentir assim, tão soberano a ponto de decidir e tomar a atitude de quebrá-lo, de deixá-lo permanecer em minhas mãos até que o frio penetrasse suas moléculas e o fizesse rachar desde seu interior mais profundo. a mão polar, esse era eu. uma criatura que não pertencia aos bares mais sofisticados daquela cidade poluída por sons e imagens que existiam apenas para a manifestação de um significado que ninguém dava a mínima atenção pelo simples fato de que ninguém ter a mínima intenção de dar algo sem receber em troca. a questão não era esclarecer a situação, mas me livrar de um papel que eu nunca quis ter, nem inconscientemente. eu nunca quis, para mim, ter uma face tão pálida, os lábios de uma secura imprevisível e as pontas finas dos dedos perfurando uma carne invisível que não é de outro senão a minha própria. eu sinto como se meus pais tivessem me nomeado josé, tudo seria diferente, tudo seria comum e perfeitamente feliz. com um nome comum, nada poderia dar mais errado do que agora, nada poderia dar mais certo do que num futuro imprevisível de caos e destruição, nada, o nada ao qual eu me refiro diariamente que sinto dentro de um copo, sentado numa cadeira impreterivelmente desconfortável, mesmo que seja do veludo verde que sempre esteve presente nas minhas histórias de conforto mental. e não, não é o botão da almofada que sempre me incomoda. é o conforto, o impreterível conforto daquilo que eu sei que, indiferentemente e redundanciadamente me conforta, e me reconforta, e, só para que eu não me sinta sozinho, aparece no meu quarto ilustrado numa pintura sem autor e sem título, esquecida pela população da sua própria época, esquecida pela história, pela arte, pelos livros de história da arte e por todos os atores e atrizes desse mundo que se declama planeta terra. porque no chão que eu piso, não aparecem os tão desejados cacos de vidro. porque esse copo sempre está na iminência da quebra, porque eu sempre espero o porvir e continuo a esperar, e mantenho minha presença na vírgula, na respiração do tempo certo, da sobrevivência, daquilo que eu posso manter no topo, como bom (ou péssimo) capricorniano que sou. a questão não é encontrar um ou uma virgem. a questão não é um ou uma, nem dois nem duas. nem deus. o que eu procuro não se acha simplesmente porque não existe. as pessoas crêem que para cada pergunta existe uma resposta, mas nem sempre. porque nem só de respostas vive a ciência e a mente humana, porque o mundo não progride com teorias do caos e farfalhar de folhas flotantes na superfície de rios. se um mosquito consegue manter-se em suspensão sobre um rio de águas paradas, deve haver uma explicação. mas a explicação é realmente necessária? ou, melhor, acrescentará em algo? outro dia alguém me perguntou o porquê de eu ser assim o que eu disse foi simplesmente: porque existem mosquitos que conseguem se manter em suspensão na superfície de massas estáticas de água. quanta palavra. quanta resposta pra nenhuma pergunta. ou o contrário. no final das contas, quem se importa com qual foi a pergunta? a gente nem ouve as respostas, a gente nem se preocupa com elas. porque, simplesmente porque elas não elucidam nenhuma verdade. porque eu desejo infinitamente que tudo seja sonho, mas que a viagem de trem não o seja, que o síndico me explicando como aquecer a água do prédio seja a mais pura verdade, que eu sinta a gota quente na minha pele de zinco. me falta o ferro necessário para aceitar quando eu escrevo uma preposição em início de frase e não recorrer e desrrecorrer como vício de uma imagem que me têm como perfeita, uma imagem intocável, de uma estátua desnuda num museu que não é nessa cidade. eu precisaria estar fora, nas ruas de roma, sofrendo com a chuva ácida, corroendo minhas células conscientemente para saber que eu não procuro resposta que responda a pergunta que eu não fiz. e que não vou fazer. porque sou teimoso, sim. porque sou aquilo que se vê, mesmo que seja eu quem use os óculos com o grau errado, porque posso admitir aquilo que dizem que eu sou e ser aquilo que eu penso que sou. mas, onde fica o que penso que devo ser? onde fica a caixa figurativa onde todo mundo diz que guarda os traumas de infância e adolescência? onde está o meu passado terrível de órfão abandonado pela mãe, com pai traficante na cadeia, com futuro promissor como chefe da quadrilha do são joão e rei da pamonha? se eu disser que não quero, será só ingratidão da minha parte. mas se digo que quero, que pretencioso! eu penso seriamente em parar de escrever, porque falar eu já não falo muito. engraçado é como as palavras podem transmitir aquilo que a gente não disse, ou melhor, como as pessoas podem embaralhar e reorganizar as nossas palavras para ouvir o que a gente primeiramente não escreveu. durante os dois meses que me restam, eu só preciso arredondar os 99,99 reais que completam dois anéis vindos de um lugar que eu não sei onde é para dois dedos de duas mãos que não são minhas mas que podem quebrar copos assim como as minhas. porque é muita infantilidade de uma pessoa pensar que pode se programar para receber uma encomenda de hoje a três semanas. as encomendas não chegam em um tempo exato. atrasos e retrasos, acasos e adiantamentos de mercadorias acontecem diariamente debaixo dos nossos próprios narizes que não cheiram a fumaça que sai da ponta dos cigarros que ela fuma escondido dos pais, todo final de semana, atrás daquela árvore que era verde, bem verde, mas que hoje é marrom e quase cinza por culpa das suas atitudes inconseqüentes. quem foi que disse que seria fácil perdoar aqueles que fumam escondidos? quem foi que disse que seria fácil perdoar a menina que usa seu nome para justificar-se e recuar das ameaças dos próprios pais? ninguém disse a ela que não. eu não disse o definitivo não. porque eu não pude, porque eu não quis... hoje pouco importa. mas, se hoje eu digo o não, é porque me arrependo profundamente de não tê-lo dito quando ainda havia tempo. um tempo que corria lento, gradual e exponencial. que recuava à medida que eu levanta os pés do chão e avançava cada vez mais rápido quando eu pousava, coisa que acontecia a cada dois dias e duas horas. vinte e dois, assim como a idade que eu terei daqui a três. três meses, três dias, três horas de decepções de uma coisa que eu sentia que não duraria para sempre, de uma coisa que eu sempre esperei que não durasse, que eu espero que se esvaeça, que se quebre em pedacinhos que nenhuma super-bonder cola. e esse momento que não vem, que corre sorrateiro e lento, que amembrana meus pés e faz deles licor. licor de beber daqui a um mês, daqui a dois, daqui às três horas que me restam para receber resposta final de futuro pelo qual eu decido lutar. e eu espero, a cada mensagem, que não seja uma oferta de casa, porque acredito piamente e ingenuamente que as pessoas reconhecem seus erros, que pedem desculpas e que o mundo volta a ser lindo. mas não, por mais que eu acredito, também não acredito. sei que me confundo, mas sim e não. porque o tempo passa devagar e dramático, assim como uma leitura forçada de final de livro com trilha sonora de tango pesquisado de última hora em página de streaming na internet que eu repito mais de trinta vezes até terminar o conto que se intitula Bestiario. e não é que a besta é retratada justamente com o signo do qual eu me componho? só podia ser destino de pessoa com fisionomia dura-e-mole. por isso que eu mantenho o corpo fixo, a mão fechada e as pernas tremulantes debaixo da mesa de madeira, à frente da poltrona de veludo verde que virá antes desse copo quebrar. assim espero. verdadeiramente.

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